Fonte: Globo Rural
09/05/2010 – O Rio Grande do Sul está acabando de colher uma safra de quase sete milhões de toneladas de arroz. Poderia ser mais, não fossem as fortes chuvas de verão, que provocaram a quebra de um milhão de toneladas. Isso equivale a um mês do consumo brasileiro.

Há duas semanas, o repórter cinematográfico Sandro Queiroz e a repórter Helen Martins visitaram a região de Cachoeira do Sul, uma das mais atingidas e viram que a situação dos agricultores não está nada boa.

Colheita de arroz nas lavouras gaúchas. Os campos amarelados se destacam na paisagem. Cenário normal em época de safra. Aparentemente normal. 

Estamos numa região chamada de depressão central. Formada por 34 municípios e responsável por cerca de 15% da produção de arroz do estado. Cachoeira do Sul é o município de maior produção.

A água que irriga os arrozais vem do rio Jacuí e de seus afluentes. Na barragem do Fandango, existem réguas pra medir o nível do rio, que normalmente apontam pra 18 metros. Mas de novembro do ano passado a janeiro deste ano, com o excesso de chuvas, esse nível subiu pra 25 metros, quase atingindo a base de uma ponte. A mesma água essencial para o crescimento do arroz, acabou prejudicando as lavouras.

As áreas mais baixas foram totalmente inundadas. Os arrozais ficaram submersos por vários dias. Dos quase 40 mil hectares previstos para o cultivo de arroz, no município, perto de onze mil não puderam ser semeados ou foram totalmente destruídos pelas enchentes e a área plantada, restante, teve a produtividade comprometida.

Pra quem vê o dia ensolarado e os campos verdes, é difícil imaginar o prejuízo, mas basta aproximar o olhar, conversar com os agricultores.

Seu Lauro Pinheiro vive apenas do arroz. Ele arrenda trezentos hectares para a lavoura que, este ano, foi plantada e replantada.

Na lavoura existe arroz em diferentes estados: no ponto de colheita, mais verde e aquele que ainda nem formou os grãos.

O arroz deveria estar mais alto e mais fechado. Eu esperava colher 40 mil sacas de arroz e vou colher de três a quatro mil sacas”, diz Lauro Pinheiro, agricultor.

Em outra área, a terra exposta. Não é nem de longe a paisagem que seu lauro esperava.

Essa área era pra tá com arroz pra colher, eu dei uma ajeitada pro próximo plantio porque num tem mais o que fazer”, diz o agricultor.

A força da água transformou o canal de irrigação em açude e jogou areia sobre o arrozal. Sem a renda da colheita, o agricultor agora perde o sono pensando em como saldar suas dívidas. “Eu tenho cerca de 700 mil pra pagar. Eu pedi vários empréstimos”, declara.

Seu Lauro tem seguro, mas só vai cobrir metade do prejuízo. Com o pouco arroz que sobrou ainda no campo, o secador que seu Lauro comprou em 2009 estava parado, ocioso. Mas aí ele teve uma ideia: terceirizar a secagem. Secar o arroz de produtores com terras mais altas, onde não houve perdas.

Eu tô secando 30 mil sacos de arroz e ele vai me pagar em arroz, eu devo receber uns mil e oitocentos sacos”, conta.

No galpão, o trator com prestações pra vencer e tem ainda os funcionários. Seu Ronaldo é um dos três que trabalham pro seu Lauro. Aos 54 anos e analfabeto ele está preocupado com o emprego. “Trabalho só em lavoura de arroz, é o que eu sei fazer”, diz.

O filho do seu Lauro, Diego, de 27 anos, dirige o caminhão que levaria a safra da família. Só que a carga é de soja do vizinho. “Eu tô procurando emprego na cidade, a lavoura de arroz, pra nós, num tem mais condições”, diz.

Em outra propriedade, encontramos seu Eolo Flores. Ele é filho e neto de produtores de arroz, mas, pelo jeito, não vai ser pai de arrozeiro. David, de 20 anos, decidiu abandonar o campo.

Eu resolvi, porque eu vejo o que meu pai e minha mãe passam aqui. Eu queria continuar no segmento do meu pai, meu bisavô que sempre viveram plantando e agora minha geração acabou indo pra cidade porque a lavoura acabou num dando certo. Vai ter que seguir teu caminho, batalhar em outro lugar, num foi falha nossa, foi o clima que num ajudou. O que a gente vai fazer? Paciência”, comenta.

Seu Eolo fotografou a propriedade durante as chuvas. Quase tudo debaixo da água. “E quando baixa, você vê aquele serviço todo perdido. Aquilo dá uma tristeza que a gente fica desolado”, conta.

Para custear o cultivo de arroz, seu Eolo fez um financiamento de vinte mil reais pelo Pronaf – o Programa Nacional de Incentivo à Agricultura Familiar. Nesta área, o plantio chegou a ser feito três vezes.

Eu colhia dois mil sacos de arroz nos 15 hectares que eu tenho financiados, mas agora foram colhidos 361 sacos desta mesma área. Em outra parte, que dá meio perdida, eu não sei se colho mais cem sacos. Parte dela que foi plantada em janeiro num teve aprovação suficiente e o tempo… fora de época, aí não tem mais como o arroz formar o grão. Se eu tivesse colhido na safra normal, de todas as minhas despesas me sobrariam uns mil e poucos sacos de arroz. Daí eu conseguiria pagar todos os meus financiamentos, mas desta forma não tem como”, conta.

Seu Eolo tem o seguro do Proagro, mas ainda depende de uma análise técnica pra saber de quanto deverá ser a cobertura. A soja que ocuparia outra parte da lavoura nem chegou a ser plantada. As máquinas não conseguiram trabalhar com tanta lama. 

Hoje, seu Eolo tem serviço na lavoura do vizinho, com a máquina que deveria estar fazendo a sua própria colheita. Um bico pra arrumar algum dinheiro. “Dá uns 700, 800 reais de lucro pra mim”, afirma.

O arroz também se ressente do excesso de água. “Os grãos não encheram. Tá só a casca. Isso aqui é prejuízo pro agricultor…”, explica.

Outra consequência é o aumento de plantas invasoras. A enchente dificultou o controle, por exemplo,  do arroz vermelho. Segundo Jaceguáy de Barros, coordenador regional do IRGA – Instituto Rio Grandense do Arroz, os efeitos da chuva serão sentidos também na próxima safra.

Nessa época do ano os produtores já deveriam estar fazendo o preparo antecipado, ou seja, antes do inverno o produtor já está fazendo o preparo do solo, deixando ele pronto para o plantio, porque na época de plantio, nós temos poucos dias úteis para o plantio. Na primavera, em função das chuvas que ocorrem sobram poucos dias para que o produtor efetivamente esteja plantando e se ele não faz o preparo antecipado, durante a primavera, em vez de estar plantando, ele vai estar preparando o solo, o que vai ocasionar o atraso da lavoura, que consequentemente vai comprometer a produtividade”, explica Barros.

Na maior cooperativa de cachoeira do sul, a colheita menor e atrasada é evidente. Nesta época do ano, o graneleiro já estaria armazenando  trezentos mil sacos de arroz. Deveria estar cheio, mas por causa das perdas devido às chuvas, ele está desse jeito. Completamente vazio.

O movimento do lado de fora é de caminhões trazendo soja. Pra não ficar ocioso, o graneleiro foi alugado: a soja tomou o lugar do arroz dos cooperados.

Vamos receber menos 320 mil sacos de arroz, em consequência já empregamos menos safristas, cerca de trinta, demitimos cerca de 10 funcionários estáveis e estamos com grandes dificuldades pra pagar as contas de 2010”, diz Kurt Löwenhaupt, administrador da Coriscal.

A fábrica da própria cooperativa que deveria estar em ritmo acelerado suspendeu um dos turnos. Quem está com mais trabalho é o classificador de grãos, Jeferson Monteiro. Os defeitos do arroz, que enfrentou excesso de água, saltam aos olhos. 

O arroz que se encontra na propriedade é um arroz que está no limite da aceitabilidade do mercado. Ele é praticamente vermelho. É certamente um prejuízo para qualquer agricultor”, explica Jeferson Monteiro, classificador de grãos.

A queda de qualidade do arroz coincide com o aumento das exigências do governo na classificação do produto, como explica o administrador da cooperativa, João Paulo de Moraes.

Na safra passada, cerca de 95% da produção enquadrou como tipo 1, de melhor qualidade. Apenas cinco por cento enquadrou como tipo 2 ou 3. Este ano, em função de dois fatores, que é a questão climática das enchentes e também em função do novo padrão de classificação, estabelecido pelo Ministério da Agricultura, a partir de março caiu bastante esta qualidade. Cerca de 20% da nossa produção está enquadrando como tipo 2 ou 3. Mas imagina: o produtor está produzindo um arroz de boa qualidade, mas num item específico ele não consegue enquadrar no tipo 1. No passado, a diferença do tipo 1 para o tipo 2 é de quatro a cinco por cento do valor do produto”, declara o administrador da Coriscal.

Numa reação em cadeia, o comércio da cidade, que estaria aquecido em época de safra, ainda tem ritmo lento. “A lavoura de arroz representa em torno de 30 a 35 por cento do PIB da nossa cidade, que gira em torno de 50 milhões de reais, então este dinheiro vai deixar de circular na nossa cidade”, comenta Paulo Learsi Correa da Silva, vice-presidente da Câmara Cachoeirense da Indústria, Comércio e Serviços.

Com dívidas, sem renda, muitos agricultores estão paralisados. Carlos Joel da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Ademar Kochenborger, presidente da Associação de Arrozeiros de Cachoeira do Sul. Já estiveram em Brasília em busca de ajuda do governo federal, mas, até agora, não obtiveram resposta.

Nós estamos pedindo uma verba emergencial de dois e quinhetos reais por hectare perdido para pagar em dez anos, com juros zero. E também a gente quer um rebate para estes produtores que tiveram perda, proporcional às perdas. Para quem perdeu 50% a gente quer que seja descontada da dívida dele junto aos bancos, 50%. Pra ver se a pessoa consegue se manter na atividade, porque hoje, do jeito que está não tem condições do produtor continuar e nós não temos a quem recorrer, a não ser o governo”, explica Ademar Kochenborger, presidente da Associação de Arrozeiros de Cachoeira do Sulrs.

Carlos Joel alerta para um outro problema: mesmo quem tem Proagro está em dificuldade. “O Proagro cobre a operação financeira, por exemplo, o produtor vai colher mil sacos de arroz, ele financiou no banco e o valor do financiamento é em torno de 600 sacos. O que está assegurado hoje são 600 sacos que o banco financiou, mais os 400 sacos que seria a manutenção da propriedade e a lucratividade que o produtor teria pra manter a sua família até a próxima colheita, essa o Proagro não cobre”, declara Carlos Joel da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

Na terça-feira, depois da posse do novo presidente da Conab, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, falou sobre a crise. “Está equacionado. Há um recurso de 204 milhões, que são destinado a todos aqueles que foram afetados por circunstâncias climáticas dramáticas e isso inclui os arrozeiros do Rio Grande. Está para sair, mas ainda depende um pouco da parte financeira do governo”.

Sem solução concreta, o agricultor encara custos, dívidas e ainda a vida pra tocar. Seu Eolo faz as contas, põe no papel o pouco que entrou e tudo o que tem pra pagar. “Esse ano vai ficar no vermelho”, afirma.

Pra quem, como ele, não quer desistir, renda com o arroz de novo, só no ano que vem. E se o clima ajudar. “Eu não queria que vocês do Globo Rural viessem aqui fazer uma entrevista dessas. Eu queria que vocês viessem aqui pra eu dizer: vou fazer uma super safra, vou colher bem, vai sobrar pra minha família, era isso que eu queria. E não vocês virem aqui e vê que eu perdi tudo, que eu vou ficar num ano difícil”, diz Wagner Rossi, ministro da Agricultura.

Por enquanto, os arrozeiros ainda não receberam a tão esperada ajuda do governo. E antes de terminar, um recado pro seu Eolo, que ficou constrangido com a visita do globo rural num momento difícil. Seu Eolo, pra nós, foi muito bom conhecer o senhor e sua família. Vamos ver se num futuro próximo, nós voltamos aí pra mostrar o arrozal bem cuidado, como o senhor costuma fazer.