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Fonte: DN

29/05/2017 – Dos seis mil hectares dentro do perímetro de rega da barragem de Vale do Gaio, que está a 60% da sua capacidade, só quatro mil vão ser este ano cultivados. Bacia hidrográfica do Sado é a mais afetada.

 

Mário Boleta aponta o enorme canteiro de arroz há pouco semeado, onde há umas grandes manchas acastanhadas, de lodo. “Isto é da falta de água”, explica. Dentro de dias vai ter de limpar aquele lodo todo, e depois pôr a correr mais água ali – e talvez tirar um pouco às parcelas contíguas. Neste tempo de secura, com as albufeiras a meia altura, menos do que isso em alguns casos, a gestão da água é crítica.

 

Por enquanto ainda dá para fazer assim, tirar um pouco daqui, pôr mais ali, mas depois a rega do arroz terá de ser contínua, com a água sempre a correr em fio, durante todo o verão, até meados de setembro, quando se faz a colheita.

 

Esta cultura é assim mesmo, muito exigente em água, e por isso este não é um ano bom, porque ela ela escasseia no Vale do Sado, o que já se traduziu em restrições na rega. Os agricultores da região viram-se por isso obrigados a deixar por semear uma parte dos seus terrenos destinados ao arroz.

 

É o caso de Mário Boleta. Dos 24 hectares que tem no Vale do Sado, e que estão incluídos no perímetro de rega da Barragem de Vale do Gaio, a cerca de 30 quilómetros de Alcácer do Sal, este ano teve de deixar seis por cultivar. A água a que tem direito não dá para mais. “E eu não estou muito mal, há outros que estão pior e que vão deixar mais terreno por semear”, garante.

 

Dois invernos de pouca chuva

Dos seis mil hectares de terrenos abrangidos pelo perímetro de rega da barragem de Vale do Gaio, cuja albufeira está nesta altura a 60% da sua capacidade total de armazenamento, só quatro mil hectares podem ser cultivados este ano. “É esta a disponibilidade de água que existe”, resume José Núncio, presidente da Fenareg, a Federação Nacional de Regantes de Portugal.

 

Em anos normais, quando as chuvas de inverno e primavera garantem toda a água necessária para a agricultura naquela região – e nas outras, claro -, a cultura do arroz da zona barragem de Vale do Gaio recebe daquela albufeira “uma média de 14 ou 15 mil metros cúbicos de água por hectare”, diz Mário Boleta. Este ano, já depois de no ano passado ter havido um corte, nessa altura para os 11 mil metros cúbicos, porque o inverno anterior também já tinha sido mais seco do que o normal, aquele valor sofreu uma nova redução e está agora nos 8500 metros cúbicos por hectare, para cada um dos agricultores daquela zona.

 

Joaquim Custódio Simãozinho, que arrenda 52 hectares naquela zona, também para cultivar arroz, tem talvez mais sorte, porque os terrenos onde faz sua lavra estão fora do perímetro de rega daquela barragem. Por isso, não está sujeito às restrições que afetam os outros agricultores. Ele, pelo contrário, utiliza a nascente que ali tem no terreno e arranjou um engenhoso sistema de reaproveitamento da água, de uns canteiros para os outros, que utiliza valas e um mecanismo de bombagem e, para já, não tem de que se queixar. “Este ano está bem iniciado”, diz, filosófico. “O resto, vamos a ver… Desde que não falte a água na nascente”. Nesse caso, a água do Sado também não seria uma alternativa. “Já viu como está baixo? Nesta altura devia ter mais um metro ou metro e meio de altura”.

 

Não é só no arroz, no entanto, que toda a secura se reflete. As culturas do outono-inverno, como o trigo, que vão ser colhidas agora, em junho, “perderam-se em parte em toda a zona interior do país, desde Trás-os-Montes até à região sul, porque não choveu o suficiente”, assegura José Núncio. E para o pico do verão, adivinham-se dificuldades na alimentação e disponibilidade de água para o gado.

 

“Estamos em plena primavera, o ano foi mau por falta de chuva e nesta altura ainda se veem alguns pastos, mas não é suficiente para fazer face ao verão”, garante José Núncio, que defende a antecipação das ajudas do Estado aos agricultores.

 

“Vai haver falta de alimentação para gado e é natural que os preços disparem. Era importante que o Estado disponibilizasse o mais cedo possível os apoios aos agricultores, em vez de ele virem no final do ano”, sugere o presidente da Fenareg, sublinhando que “não se trata de criar mais medidas, mas da antecipação dos apoios e, eventualmente, de juros bonificados para quem tenha necessidade de comprar alimentos para os animais”.

 

Em abril a Fenareg já tinha alertado para o facto de existirem “30 mil hectares de cultura em risco”, com a situação difícil na bacia hidrográfica do Sado, e para os registos críticos de duas das suas barragens – Odivelas, com 6% de volume armazenado, e Roxo (10%).

 

Estas duas situações “já estão a ser resolvidas, com transferência de água a partir da albufeira de Alqueva”, explica José Núncio. Mas essa não poderia ser, por exemplo, uma solução para a barragem de Vale do Gaio. “A água de Alqueva tem custos que tornam inviáveis as culturas que utilizam muita água, como o arroz”, garante.

 

Na semana passada, a Agência Portuguesa de Ambiente (APA) anunciou medidas para fazer face à situação que na bacia hidrográfica do Sado passam, entre outras, por restrições a regas urbanas de jardins ou o fecho de fontes ornamentais, a partir de 1 de Junho.